Bibliografia

Conversa com Daniel Buren

Registo aúdio, inédito, Zagreb
2 de Junho de 1973

[Excerto da transcrição]


Ernesto de Sousa (ES): A ideia de vanguarda está sempre ligada a um certo radicalismo a um rigor nas opções racionais ou poéticas. Actualmente um dos pontos desse rigor situa-se na chamada arte conceptual, termo que se tem prestado a imensas confusões, e cujo esclarecimento exige (…?) um percurso de plena actualidade, o das artes da acção (performing arts).

Tu fazes um trabalho determinado. Nesse trabalho eliminaste toda a expressão. É um trabalho que se reduziu ao simples acto de o fazer. Por outras palavras a tua obra é o fazer a obra. Tu próprio, como indivíduo, ficas excluído… És feliz? (ao fazer este trabalho). Vejamos então outro aspecto: o que diz respeito à realidade física das tuas obras. Trata-se de riscas que constituem uma espécie de retículo, sempre o mesmo, variando apenas com o espaço e o local onde elas são apostas, assim como numa espécie de denúncia dos lugares que habitamos….

Daniel Buren (DB): O meu trabalho joga muito com os lugares.

ES: sim, mas também se faz frequentemente a objecção de que o mesmo efeito pode ser encontrado casualmente, por exemplo, em certos sinais urbanos de indicação de obras, tapumes, etc. Neste sentido, essas obras pertenceriam ao domínio do selvagem, do natural, e tu serias um artista naturalista. Aplicar-se-te-ia aquele paradoxo de Oscar Wilde – a natureza imita a arte… efectivamente imbuídos do aspecto plástico das tuas obras, somos levados a olhar para o tal tapume ou para a sombra de um estore “Olha, um Buren!” como dizemos para o verde das folhas de certos ulmeiros “Olha, um Cezanne”…

DB: É um erro. Quem raciocina dessa maneira não compreendeu nada do meu trabalho. Na realidade o fundamental está na responsabilidade inteira que assumo quando trabalho. O meu trabalho é essa responsabilidade. Quando se vê um Buren na sombra de um estore, eu digo, é um falso.

ES: Um falso Buren?

DB: Esse assunto constitui sempre para mim um problema: Se respondo sim ou não, eis-me em causa pessoalmente. Ora eu não quero misturar os meus próprios sentimentos com o meu trabalho.

ES: Este trabalho sistemático começou em 65. No quadro duma entrevista (isto é, precisamente de uma investigação estética).

DB: Conferir um passado a esta operação seria dar-lhe dimensões biográficas, o que também não estaria certo. Digamos que tudo se passou nos termos de uma total ruptura.

ES: Nesse caso quando prevês que esta operação estética atinja um fim uma vez que dentro dela não se pode conceber nenhuma espécie de evolução?

DB: Eu falei de um corte radical… Não posso prever quando pararei, se isso acontecerá amanhã ou se dentro de 10 anos. De resto aquilo que efectivamente distingue uma obra de outra obra é sempre o tempo (quero dizer, algo irredutível ao tempo).