Bibliografia

Dov’è la Libertà?

Imagem: Revista de Divulgação Cinematográfica, n.º 24, 2ª série
Novembro de 1958

"Está assim aberta a discussão do cinema puro". Estas palavras do autor do artigo aqui publicado com o título "De uma tendência moderna: o cinema puro", supõem uma intenção polémica. Essa intenção que imaginávamos aberta e sincera justificava a publicação de tal artigo e resumiam para toda a Redacção da revista o seu único interesse. Houve o cuidado de o assinalar. Mas para discutir estes assuntos sem fazer intervir os factores pessoais e limitando-nos à defesa das nossas ideias qualquer que seja a maneira como elas foram apresentadas, é necessário uma certa coragem e, precisamente, juventude de espírito. Vamos tratar deste assunto supondo que estas considerações correspondem à realidade. O resto, por respeito pelo leitor que não se preocupa com as questões pessoais, não interessa. Toda a teoria tem exigências lógicas. Certa ou errada, deverá pelos menos, ser coerente consigo própria. Sangue na guelra, originalidade, modernidade, não excluem, antes supõem coerência e razão. Não podemos deixar de combater a facilidade caseira, a impertinência doméstica. Teorias para português ver, indulgências com pessoas adultas… não! Tratemos estas questões, tu cá, tu lá, como pessoas crescidas.

Portanto, resumamo-nos. De todas as afirmações dos defensores do cinema puro (ou só do autor do artigo?), uma é a mais grave, a mais sensacional: Há uma revolução no cinema!…. Uma revolução que põe tudo de pernas para o ar, que nos dá um cinema absolutamente novo, absolutamente moderno. E que cinema é esse? Sem o definir, sem o precisar, faz-se esta outra afirmação, porventura ainda mais grave, ainda mais sensacional:

Trata-se de um cinema verdadeiramente livre!…

Um cinema verdadeiramente livre? Nada podia soar melhor aos nossos ouvidos. Seria que finalmente iam acabar os happy-end forçados? Que os realizadores não iam mais ficar dependentes de um orçamento comandado pelos êxitos da bilheteira? Que os autores de filme podiam finalmente conceber e realizar a sua obra sem outras limitações que não fossem as impostas pela sua própria consciência? Que não havia mais censuras oficiais, censuras de produtores, auto-censuras? Que o Código Hays fora definitivamente abolido? Que acabavam as imposições do vedetismo, as soluções de prestígio, a política dos autores? Que os realizadores e os trabalhadores do filme, enfim, iam passar a fazer o que queriam, a pintar a manta? Que o cinema era enfim, livre, livre, livre??? Nada disso! Com a invenção do cinema puro descobriam-se outros processos, para se chegar à liberdade criadora. A coisa era outra, e perante ela, todas aquelas preocupações ganhavam o sabor de velharias. Estejamos pois atentos à fórmula, ao novo abre-te-sésamo do criador cinematográfico.

A coisa é outra. Não se define, "o problema é demasiado complexo para caber no âmbito de uma definição". Não é fácil, e "talvez seja impossível "explicar" do que se trata… Tudo depende de sensibilidade, de inteligência, de subtileza e de uns "olhos bem abertos"… Se o fizermos a diferença entre o novo e o antigo surgirão "fatalmente". E tão fatal, misteriosa e indefinidamente que em certos casos nem é preciso ver os filmes "para antecipadamente sabermos" que a coisa está lá: basta a intuição! ("não vimos nenhum filme seu" diz o autor referindo-se a Louis Malle, "trata-se apenas de uma intuição"). Não invento nada. Tudo isto está no artigo. Mas algo mais. Não podendo definir cinema puro, o autor procura apontar-lhe algumas características. Resumamo-las por uma ordem que é a da importância que, segundo nos parece, essas características não podem deixar de assumir. Assim, a mais importante, espécie de denominador comum de todas as outras (espantai oh gentes, pois não; há outra solução) é… o vazio. Claro, um vazio apenas aparente, porque se formos completa e absolutamente modernos, encontraremos, não no filme!, mas na inteligência dos seus criadores e na nossa, uma profunda ressonância com tal vazio. É uma adivinha. E uma adivinha indiscutível, qualquer coisa que nunca se chegou a exteriorizar em obras; e que não se sabe como conseguiu assim, sem se tornar palpável, sensível, inteligível, sair da cabeça do criador, atravessar o profundo vazio que é o cinema puro e instalar-se subtilmente na nossa moderna, jovem, pura e asséptica inteligência. Se o espectador não possuir esta estranha e intuitiva inteligência, esta arguta subtileza, naturalmente… "sente-se roubado", Mas a culpa é dele, que ainda vai ao cinema para procurar no filme estas coisas obsoletas: uma efabulação, uma construção dramática, uma pontuação rítmica (ritmo, enfim!), suspense… Ora, tudo isso são hábitos fora de moda, velhos trastes que o cinema puro dispensa absolutamente. Basta-lhe uma coisa, e essa coisa afinal tem nome… é o suspense existencional. Isso é tudo. Mas este tudo, o que é? Ousemos dize-lo (oh! pasmai ainda, pois não há outro remédio) esse tudo é… NADA! Não invento, não deturpo, a coisa está escrita. De facto esse suspense é a "superação do tempo", é o que "separa um segundo do segundo seguinte". (E se não fosse nada que coisa diabólica seria? Uma coisa, como diria Fernando Pessoa, "onde está indistinta a distinção entre nada e coisa nenhuma"). E como se trate de filmes que "constroem mais do que destroem"; que pouco ou nada se preocupam com a crítica, a não ser relativamente a coisas que ainda não existem, "aquilo que ainda não tomou uma forma concisa"; podemos afirmar que é com… nada, que o cinema puro constrói o futuro. Que é como quem diz: com vazios, com uma inteligência das coisas que não chegou a exteriorizar-se, com subtilezas impalpáveis, intuições, fatalidades… Assim, o cinema será verdadeiramente livre, absolutamente moderno. Não haverá mais problemas com produtores, censuras, inércias comerciais. Tanto mais que os adeptos do cinema puro não – procuram a espessura social, "porque antecipadamente sabem que ela está lá toda", embora impalpável…

Esta liberdade, que não é, como se vê, a de toda a gente, mas uma liberdade interior e existencional, encontra uma imagem exacta-curiosa coincidência – precisamente na liberdade tão procurada e finalmente encontrada por dois personagens de Rosselini: é o manicómio a que regressa voluntariamente a senhora burguesa de Europa 51; é a cadeia a que regressa, também voluntariamente, o simpático protagonista de Dov’ è la libertà?. Liberdade interior, como se vê, o mais possível. Não diz respeito à totalidade da vida humana, não lhe procura um significado na plenitude, apenas se interessa pelo intervalo que há entre um segundo e o segundo seguinte. Com estas premissas tudo é admissível. Que tais filmes sejam apontados como "filmes do futuro", depois de se ter afirmado que "o futuro é imprevisível". Que se aponte, entre as características do cinema puro, ser um cinema emancipado da literatura e do teatro, e se designem como exemplos Les Dames du Bois de Bologne e Diário de um pároco de Aldeia, extraordinárias adaptações, respectivamente, de obras de Diderot e de Bernanos. Que se aponte O Medo (também baseado numa novela de Stephan Zweig), como exemplo do filme onde a efabulação e a construção dramática estão ausentes. Que se considere Viagem em Itália, por exemplo, com mais espessura social do que "Pão nosso de cada dia". Que se classifique o filme de Fernandez, O Rio Escondido, como caduco e envelhecido e Stromboli como o filme do futuro… Enfim, tudo isso é subtileza, inteligência, intuição, numa palavra, cinema puro. Tudo isso é…

…ora, chamemos as coisas pelos seus nomes: tudo isso é incoerência e gratuidade; falta de estudo e de meditação. Não perderíamos tempo e energias, não fatigaríamos a atenção do leitor com esta manta de incoerências, estes farrapos de ideias se elas não reflectissem afinal um certo estado de espírito, um lado negativo que não deixa de estar relacionado com o rápido renascimento da cultura cinematográfica entre nós, nos últimos anos. A pintura ou o romance prestar-se-iam muito mais dificilmente a estes malabarismos fáceis; o cinema pelo contrário, é sedutor e prestigioso. Permite uma assimilação superficial e agradável das respectivas obras. E ao mesmo tempo que se lêem artigos rápidos e brilhantes em revistas de rica apresentação gráfica, as ilustrações fornecem uma aliciante diversão. Tudo isto pode ser demasiado fácil. Tudo isto contribui para deturpar a verdadeira função de cultura cinematográfica, segregando-a da vida. O cinema acaba por se reduzir à sua, sombra, imagens frias e funâmbulas do homem deslizando e apagando-se no écran. O cinema abordado assim, evita o estudo e a meditação, oblitera o conhecimento das outras formas de expressão, a arte em geral, a cultura, o homem. E o grave é que este estado de espírito se transforme em mentalidade de sector, de grupo – o que por e para o grupo se reivindiquem coisas muito sérias, como seja a Juventude. Sabemos a que extremos isso pode conduzir: os teddy-boys também se consideram absolutamente modernos e jovens!!! Mas a incoerência não é a única característica dominante do sector em questão. Neste mesmo artigo se colhem excelentes flagrantes de outras características muito comuns. Assim… A petulância: "Esse avanço… pouco palpável… existe… na inteligência dos criadores e de alguns que os tentam compreender". O dogmatismo: "A importância de um tal facto não precisa de explicação". "Tudo isto nos parecem qualidades quase indiscutíveis". E… por incrível que pareça, o tom paternal, conselheiro: "Sejamos completa e absolutamente modernos. A compreensão dos filmes que temos mencionado será muito mais fácil", "…e nós todos… libertemo-nos também de ideias ditadas pelos mais velhos…" (Isto… é o paternalismo idos mais novos). Finalmente, a propensão para as profecias: "são filmes do futuro", "conseguirão eles libertarem-se também?", "obras que terão na história… uma importância tão grande…". De tudo, o mais grave é o tom peremptório, a propensão dogmática para a afirmação pura e simples. De facto, se com muito boa-vontade tentarmos olhar as incoerências como contradições que reflictam um generoso tumultuar de ideias ainda mal digeridas, mas sinceras; se tomarmos petulância, emoção, tom profético, como extravagancias de vestuário literário, coisa secundária; e preferirmos ignorar a ponta do guardanapo que, sob a capa de modernismo, aponta já à primeira pessoa do plural do Conselheiro Acácio; enfim, se fizéssemos tudo isto (e era cair já largamente na indulgência que não queremos), o mais desanimador, o mais triste, seria verificar que, de qualquer modo que as tomemos, estas atitudes não são acompanhadas da necessidade inquieta pela investigação, pela demonstração das próprias ideias. É significativo verificar, que a paixão pelo bom cinema não seja acompanhado em alguns dos seus mais calorosos defensores por uma equivalente paixão pelo conhecimento, da cultura em geral, do homem e da vida, do cinema, enfim. Paixão que conduz ao estudo. Seria caso para repetir, com um grande poeta, que "o maior prazer da exaltação está em analisá-la". Com efeito a afirmações sem sombra de análise e demonstração, quase se resume este artigo. Afirmações que não têm sequer o mérito da coerência, já o vimos. Mas podem iludir o leitor desprevenido ou naturalmente propenso a culpar-se a si próprio por irão compreender aquilo que, em si, não é compreensível. Enumeremos algumas destas afirmações. Assim:

O cinema é a forma de expressão mais certa do nosso tempo. Porquê? O cinema atingiu a idade adulta. A sua evolução nestes últimos anos permite afirmá-lo. Como, quando, porquê? Uma das razões porque o cinema envelhece é o facto da sua não emancipação relativamente ao teatro e à literatura. (Passe o disparate, sobre os "filmes ditos picturais". Chegaríamos à conclusão de que neste caso complicado de maturidades, a pintura sim, tinha amadurecido, mas o teatro e a literatura, não…). Como se sabe, esta é uma das questões mais controversas: a das relações do cinema com as outras artes (1). Que o cinema deu lugar ao aparecimento de uma forma de expressão autónoma e específica, é um facto do conhecimento geral. Unia nova linguagem surgiu com o cinema e os fundamentos estéticos dessa nova maneira de dizer, estão hoje mais ou menos assegurados pela importante obra teórica de autores como Béla Balázs, Pudovkin, Arnheim, ou Eisenstein; ou ainda, para citar alguns rnodernos, um André Bazin, um Marcel Martin (2). Mas por outro lado, é um erro elementar supor o cinema como absolutamente alheio a outras técnicas e géneros artísticos anteriores, nos quais encontramos algumas das suas raízes mais profundas. "Basear o estudo do cinema partindo exclusivamente da ideia cinematográfica, e de princípios abstractos, é bárbaro e estúpido. Somente uma comparação crítica com formas básicas, mais primitivas, de espectáculo, tornará possível estabelecer criticamente uma metodologia do cinema", escreve Eisenstein em Film Form. Nesta obra, como em Film Sense, são estudadas exaustivamente as relações do cinema com as outras formas de espectáculo, com a pintura, com a literatura. Como admitir que se façam afirmações sobre este assunto ignorando ou desprezando o fundamento literário de filmes como Les Dames du Bois de Bologne e Diário de um Pároco de Aldeia? Na verdade, se há películas para as quais interessa menos, ou quase nada, o conhecimento da obra literária em que se baseiam, isso é indispensável para uma compreensão crítica daqueles filmes de Bresson, sobretudo quando se fazem afirmações que jogam directamente com esse problema. Admitir que o autor do artigo não leu o livro de Bernanos ou o Jacques, le Fataliste de Diderot, admitir que não meditou profundamente na maturidade da obra destes escritores – seria admiti? – a pura burla intelectual. Como explicar então as suas afirmações, para o fundamento das quais não aduziu o mais elementar argumento? De facto, se há filme profunda e simultaneamente literário e cinematográfico, aí está um: Diário de um Pároco de Aldeia. É-o, como seriam de raiz literária e ensaística os filmes que Eisenstein queria tirar de O Capital, René Clair de Esprit des Lois, e o jovem Astruc de Discour de la Mèthode. E como o filme que Rosselini, o "puro" Rosselini, tirará, (esperemo-lo) da Geopolítica da Fome. Filmes literários, em extremo. Inconcebíveis sem a obra literária que os precedeu. Os filmes mencionados (pede-se ao leitor que reveja a heterogénea lista) não têm efabulação, não precisam de uma construção dramática dirigida aos nervos do espectador, o seu ritmo é uma linha horizontal, neles há apenas o peso do quotidiano. Inútil voltar a acentuar os disparates e as incoerências desta série de afirmações. Se um tal filme existisse, sem qualquer variação rítmica, o próprio autor (que se sentiu cheio de medo ao ver o Medo) também se sentiria roubado: porque nesse filme não haveria nada. O simples contraste linear, de volumes, de iluminação, espacial, dentro do enquadramento, numa imagem, num plano – é já ritmo, variação rítmica. A linha recta é, e sempre foi o símbolo da estagnação, da existência impotente e inactiva (Tudo é em acto, Sartre), ou complementarmente, do não-ser (3).

Mas a verdade é que o autor faz estas afirmações sem o mais leve resquício de aplicação analítica aos filmes apontados. Com efeito, se se pode falar de menor efabulação a propósito do Diário de um Pároco de Aldeia, os outros filmes são, o mais possível, filmes de efabulação. Essa efabulação atinge as raias do anedótico em O Medo e Atrás do Espelho, por exemplo. Porque não cita Humberto D.? Aí, como naquele filme de Bresson, ou em Terra Trema de Visconti, sentimos sim, o peso do quotidiano. A efabulação também é rara num filme como A Batalha do Rail, por exemplo. Nada disso, porém, é cinema puro. O autor confunde falta de efabulação com má efabulação, o que é grave. Que Vadim tenha que cinematizar uma história como a de Uma Aventura em Veneza (Sait-on jamais) e Rosselini, uma outra como a de O Medo, e mesmo assim consigam aqui e acolá semear nos filmes respectivos o seu talento, isso só prova a falta de liberdade criadora e as contingências a que está sujeito o autor de filmes. Fazer de uma limitação um estandarte de qualidade é demissão pura e simples. Se há autores que, por aquelas razões, caem no formalismo, que descansem em paz (4). "São histórias de um personagem e da sua perseguição". Não é preciso ter ideias profundas sobre o que seja uma situação dramática para compreender que este é o enunciado de uma situação dramática clássica, É afirmar por afirmar. E depois, quem persegue o casal de Viagem em Itália, o Pároco de Aldeia? Aí não há perseguições, o conflito é outro. E de resto, perseguição também supõe conflito, e, certamente, dos mais agudos, dos mais dirigidos aos nervos do espectador. O princípio de análise que faz (é a única tentativa) aos passos do personagem de Rosselini, particularmente em O Medo, podia ter sido o ponto de partida para um estudo interessante, que de algum modo nos fosse útil. Perde-se, porém, no meio de tanta incongruência. Que conclusões tira o autor, dessa análise? Que um cinema sem efabulação, nem ritmo nem construção dramática, possui "a imensa virtude de naturalidade…" Oh! "ideias ditadas pelos mais velhos"! Oh! Manes! Oh! Sombra de Zola, espectro de Taine! Oh! recentes teóricos do realismo! Vós que haveis tão penosamente discutido o que era naturalismo e realismo…

Será que é necessário começar tudo desde o princípio? Já alguém imaginou um jovem químico, tão jovem, que para não aceitar nenhum ditado dos mais velhos resolvesse reinventar toda a química desde a preparação do oxigénio, e fizesse tábua rasa de tudo o que se tem estudado, esperando mesmo assim chegar à desintegração do átomo? A ignorância não é garantia de nenhuma juventude, nem de modernidade. E é de facto ignorância acreditar que qualquer arte moderna consista em um bota-abaixo completo do antigo. Até hoje ainda não houve movimento artístico que não apontasse os seus precursores. Também a querela antigo-moderno; velho-novo; o mito da luta das gerações é falso e mistificador. O que luta nas sociedades para o seu progresso não são necessariamente as gerações entre si… Estas afirmações de vanguardismo cego, fazem lembrar slogans de triste memória. Gavroche e Saint-Juste eram jovens. Não o foi menos Vitor Hugo ao escrever os Châtiments. Aos trinta anos morreu Jean Vigo. Aos trinta anos começou a trabalhar no cinema Michelangelo Antonioni. A juventude do mundo não tem idade: ela vai de Gavroche a Nazim Hikmet.

  1. O autor não leu Film Sense e Film Form, de Eisenstein, ou pelo menos não os meditou – o que é grave num… ensaísta. Com efeito, estes livros constituem a obra base sobre as relações do cinema com as outras artes. Dificilmente se poderá admitir uma discussão com este tema sem ter em consideração as teses do autor de Alexander Nevsky. Confessamos que é desagradável ter que citar autores e fazer estendal de erudição – a que de nenhum modo pretendemos. Mas pensamos no leitor, que simplesmente quer ser informado. E ao nível de uma discussão destas é necessário, incessantemente reivindicar para as altas teorias estéticas, as solenes afirmações filosóficas, o conhecimento das bases bibliográficas em que assentam ou deviam assentar. No próximo número de Imagem, um de nós exporá aos leitores interessados o arsenal bibliográfico em que se baseiam as teorias do cinema puro, mal assimilado, como quem veste apressadamente pelo figurino de Paris ou de Roma. Veremos os textos de Rosselini, Astruc, Bazin, Morin, onde o autor foi buscar inspiração. Menos os disparates e as incoerências, claro, que essas só as justifica a pressa e a irresponsabilidade. Para que o leitor fique desde já com uma ideia de quanto são já mastigadas (mal) estas ideias que se pretendem apresentar com ar ingénuo de descoberta, oferecemos à sua meditação esta frase de um livro francês que data de 1957: "Tem-se dito e repetido que filmes como Viagem em Itália envelheceram as obras anteriores de vinte anos" (Esthétique du Cinema de H. Agel).
  2. Sobre este assunto, recomendamos ao leitor a obra fundamental de Guido Aristarco: História della teoriche dei filme, de que publicaremos um resumo escrito pelo próprio Aristarco. E também: Esthétique du Cinema de H. Agel, colecção Que-sais-je?.
  3. Leia-se Aproximação dialéctica da forma fílmica ou O Princípio cinematográfico e o ideograma de Eisenstein (in Film Form). São textos elucidativos para a constatação banal de que dentro do próprio enquadramento há conflito e, portanto, variação rítmica. Eisenstein faz nesse artigo uma análise da pintura, porque como não podia deixar de ser, é indispensável saber ver pintura para saber escrever sobre cinema. A pintura constitui também uma forma básica de espectáculo.
  4. O desprezo pelo argumento para cobrir dificuldades com os produtores não é já sequer novidade, na história do cinema. "Se alguns desprezaram o assunto" diz Sadoul sobre a Escola Francesa de 1920 "foi por necessidade: viram-se obrigados a fazer deslizar por contrabando as suas inovações em adaptações comerciais impostas"… Assim, a Escola se comprometeu "num caminho cuja única saída foi o comércio".