Bibliografia

MY BODY IS YOUR BODY — O MEU CORPO É O TEU CORPO

Rui Afonso Santos, Colecção de Cartazes de Ernesto de Sousa: Your Body is My Body, Lisboa, Museu Coleção Berardo
2015

[Excerto]


Artista, etnógrafo, ensaísta, crítico, escritor, polemista, cineclubista, cineasta, encenador, fotógrafo, desenhador, coleccionador, promotor, divulgador, professor, curador, conferencista, agitador e, fundamentalmente, democrata, Ernesto de Sousa permanece até hoje, e cada vez mais, uma figura incontornável  do panorama artístico contemporâneo.

A Colecção de Cartazes Ernesto de Sousa reúne um total de 1500 cartazes, prospectos, manifestos e circulares reunidos por aquele autor ao longo da sua vida. A sua notável qualidade e interesse permitem, no seu conjunto, um olhar detalhado sobre as possibilidades, realizações e conquistas da prática artística nacional e internacional, constituindo, igualmente, um registo abrangente  das neo-vanguardas portuguesa  e estrangeiras.

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Foi esse igualmente o período em que orientou um Curso de Cinema Experimental no Cineclube do Porto, no qual colaboraram o músico e compositor Jorge Peixinho, os pintores Ângelo de Sousa e Armando Alves (membros, juntamente com os pintores Jorge  Pinheiro e José Rodrigues, do influente grupo portuense Os Quatro Vintes, nome alusivo à média de licenciatura na escola local de belas-artes) e os ensaístas Eduardo Calvet de Magalhães, Óscar Lopes e Carlos Morais. A actividade simultânea de cineclubista e conferencista ficou, por essa altura, testemunhada nos exemplares únicos, executados à mão, de divulgação dos eventos Aspectos do Cinema Moderno (1965), da autoria de Pilar, ou Perspectivas dum Novo Cinema Português, ambos fundindo o lettering com o desenho. O teatro prosseguia, também, como outro dos seus interesses, manifestando-se na sua colaboração com o TEP — Teatro Experimental do Porto.

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A recolha de cartazes icónicos ficou atestada no raro exemplar de um cartaz datado de 1965, de Ângelo de Sousa, reproduzindo o poema “Divertimento só para o Ângelo”, de Eugénio de Andrade. Neste, o autor desenha com a cor, criando uma composição linear de linhas curvas em dois tons de vermelho.

O ano de 1966 foi igualmente marcado por contactos internacionais que amadureceram o seu posicionamento artístico, nomeadamente aquele estabelecido com Jean-Claude Moineau. Importante representante da poesia experimental e visual, prossecutor de actividades artísticas e “meta-artísticas” dirigidas, nomeadamente, para a arte processual, o livro de artista, o happening, a performance, a mail art e a “arte para além da arte”, Moineau desenvolveu, entre 1966 e 1968, relevante actividade criadora para, logo em seguida, abandoná-la por completo, como tantos outros. Enviados a Ernesto de Sousa por correio, os notáveis cartazes daquele artista francês fundem o registo fotográfico da performance com elementos visuais da baixa cultura, nomeadamente referentes tipográficos e fotográficos provenientes da imprensa de grande divulgação (Espace vital e Le Poème est à la Page, c. 1966), e lettering criativo expressamente desenhado, em exemplares frequentemente interpelativos do próprio espectador-receptor, como sucede no exemplar Écrivez à côté il ya de la place, destinando reserva rectangular para  o efeito, ou Écrivez ce que vous voulez, onde aquela aparece reduzida a uma forma mínima. Já os cartazes Meta-art e Ne coupez pas no. 4 funcionam, simultaneamente, como manifesto e objecto artístico por direito próprio.

Nesse mesmo ano, Ernesto de Sousa teve conhecimento do movimento artístico internacional Fluxus. Informalmente organizado em 1961 pelo lituano George Maciunas, trata-se de um movimento libertário multidisciplinar que pretende fundir as artes visuais, musicais, literárias e performativas, tendo-se revelado particularmente influente nas décadas de 1960 e 1970, quando se estendeu pela Europa, Estados Unidos e Japão, contando entre os seus representantes mais influentes, além de Maciunas,  John Cage, George Brecht, Joseph Beuys, Nam June Paik, Wolf Vostell ou Yoko Ono, sob a égide autoral de Allan Kaprow e Marcel Duchamp, criadores dos primeiros happenings. Ernesto recebeu, então, por correio a publicação Fluxfest Sale, que reproduzia o “Expanded Arts Diagram” de Maciunas, manifesto-diagrama, cartaz-manifesto e objecto artístico, publicado em 1966, numa tiragem exclusiva de 2000 exemplares.

O contacto de Ernesto de Sousa com estas vanguardas internacionais influenciou-o decisivamente na assunção do binómio “arte-vida” e do colectivo como condições criativas, da interdisciplinaridade ou da categoria do quotidiano indispensáveis à condição da criação contemporânea, num movimento centrípeto que ele devolveu com generosidade junto aos artistas, professores e alunos com quem conviveu. Com efeito, a partir de 1967, e até 1970, leccionou Técnicas da Comunicação e Estética do Teatro e do Cinema no referencial Curso de Formação Artística (CFA) promovido na Sociedade Nacional de Belas Artes (SNBA) de Lisboa. Beneficiando de novas orientações pedagógicas e contando, igualmente, com a docência dos historiadores José-Augusto França, Adriano de Gusmão e Rui Mário Gonçalves, do pintor Sá Nogueira e dos arquitectos Manuel Tainha e Sena da Silva, o CFA constituiu uma alternativa eficaz ao ensino serôdio, desactualizado e académico das Escolas de Belas Artes de Lisboa e do Porto – e dele saiu toda uma nova geração de artistas, designers e críticos.

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Em 1968, Ernesto iniciou o seu projecto de produção do filme Almada, um Nome de Guerra (...). Em Junho, em resultado de uma viagem a Londres com alunos do CFA, Ernesto interessou-se pelo cinema experimental, tendo tido contacto directo com experiências do género. Essa realidade materializou-se nos filmes em Super 8 Havia um Homem que Corria e Happy People, realizados em colaboração com Carlos Gentil-Homem, seu aluno no CFA, e integrados no evento multimédia Nós não Estamos Algures, realizado no ano seguinte, quando viajou novamente para Londres.

A experiência dessas viagens, e de outras imediatamente posteriores, manifestou-se sobretudo no seu conhecimento do fervilhante underground e cena artística londrinos (e, por essa via, também dos nova-iorquinos), como testemunham os cartazes recolhidos na ocasião: Monsieur Artaud, alusivo à conferência dramatizada realizada por Michael Almaz no New Arts Laboratory; Fun and Games at the Cockpit e SIGNS — Sequences for the Theatre, com recurso à fotografia e ao desenho impressos; outros, de cariz pop, como Writers & Readers Art Series, de Chris Hyde, e Oval Theatre Arts Festival, desenhado por Mark Fennel, com desenho de Tony Rivers no verso; os importantes exemplares, com recurso  à fotografia e ao texto-manifesto, deliberadamente realizados através de meios expeditos e pobres, anunciadores do Roy Hart Theatre, divulgando as actividades cénicas do grupo, cujo mentor homónimo, correspondente de Carl Jung, fundiu as actividades psicoterapêuticas com as actividades cénicas e performativas; exemplares editados pelo Institute of Contemporary Arts (ICA), em Londres, como o alusivo à National Conference on Art Education, organizada no Hornsey Collage, notável exemplar de cariz formal geométrico, e o Hornsey College of Art in Action, de cariz fotográfico, retratando o evento de ocupação da faculdade de arte e diálogo com o público por parte dos alunos; o icónico cartaz alusivo aos filmes experimentais de Andy Warhol; o conhecido cartaz de grafismo psicadélico de Hair — The Americam Tribal Love-Rock Musical; ou, ainda, o cartaz publicitário datado de 1971 acerca da peça de William Shakespeare A Midsummer Night’s Dream, encenada por Peter Brook, com reprodução de uma maquete do cenário de Sally Jacob.

A estes exemplares acresceram outros, como o cartaz de Timm Ulrichs, Ich als Kunstfigur (1969), auto-representação linear, ou, mais importante, o cartaz Paradise Now. Collective Creation (1968), texto-diagrama e manifesto do The Living Theatre, grupo teatral nova-iorquino anti-belicista, experimental e participativo, fundado em 1947 por Judith Malina e o seu marido, pintor-poeta, cenógrafo e encenador Julian Beck, também ele reivindicativo do binómio arte-vida e da abolição das fronteiras estabelecidas entre os atores e o público. Exemplar significativo produzido nesse contexto  é o cartaz Seven Meditations on Political Sado-Masochism (1973), imagem fotográfica de um actor nu, recriando a tortura “pau de arara”, generalizada no Brasil sob a ditadura militar.

O conceito de expanded cinema, que Ernesto de Sousa praticou, foi o resultado de uma imperiosa necessidade de “fazer cinema de 35, em 16 e 8 milímetros, enfim, tidas as dimensões possíveis. Mas também, e sobretudo, fazer cinema que exceda o filme como meio; e até, fazer cinema fora do cinema”. Ainda em 1968, Ernesto de Sousa criou, com alunos do CFA, a Oficina Experimental, grupo que tinha como finalidade a realização de filmes experimentais, happenings, acontecimentos teatrais, produção de múltiplos e realização  de festas e convívios, e que o próprio  definiu como “‘clube’ de multímoda actividade inter-disciplinar, inter-nacional, inter-vanguardistacional, etc.”, colaborando, no ano seguinte, no evento Nós não Estamos Algures.

Incansável viajante, passou por Paris na ocasião dos importantes acontecimentos do Maio de 68, como testemunha o raro cartaz La Lutte continue, do Atelier Populaire, imagem de referente serigráfico de figuras vermelhas, alinhadas e compactadas, sobre fundo branco.

No ano seguinte, em Abril, iniciou as filmagens de Almada, um Nome de Guerra, para cujo financiamento se realizaram, na Cooperativa Árvore, no Porto, na SNBA, em Lisboa, e em Aveiro, leilões de obras oferecidas por artistas plásticos portugueses (...). 

Entre 24 de agosto e 3 de Setembro de 1969, Ernesto de Sousa participou, juntamente com a jornalista Maria Antónia Palla, no Undici Giorni d’Arte Collettiva, realizado em Pejo, Itália.  Na organização do evento esteve envolvido Bruno Munari, que reuniu, em intenso convívio, centenas de artistas de toda a Europa, especialmente de Itália, para trocas de ideias e experiências, realização de exposições de artes visuais e de envolvimentos, apresentação de cinema underground, happenings, poesia visual  e fonética, além de música electrónica.

A experiência influenciou profundamente a teoria e praxis de Ernesto que, assim, tomou conhecimento da expressão “operador estético”, acrescendo-a ao conceito já conhecido de “obra-aberta”, proposto por Umberto Eco. Sobre o evento, do qual trouxe o cartaz respectivo, com lettering inserido em banda vertical, irregularmente recortada sobre fundo carmim, Ernesto escreveu:  “A palavra artista vai perdendo, no nosso tempo, muito do seu antigo prestígio.  Na mais viva experiência colectiva de carácter estético em que participei – Em Pejo, na Itália, Agosto de 1969, nos ‘Undici Giorni di Arte Collettiva’, com Bruno Munari e outros; e em que participei para me esclarecer, relativamente ao trabalho que já empreendia com o Almada — os respectivos componentes mais lúcidos recusavam a designação de artistas; operários ou operadores estéticos, assim queriam ser classificados.

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Em dezembro de 1969, Ernesto de Sousa apresentou publicamente o mixed-media Nós não Estamos Algures, por ele concebido e encenado no espaço 1.º Acto, em Algés. O próprio autor referiu-se ao acontecimento nos seguintes termos: “Foi uma experiência pedagógica realizada em parte com o concurso de alguns antigos e actuais colaboradores do Curso de Formação Artística. Foi uma realização total, experiência decisiva com o cinema, o teatro, a música. O próprio corpo. Durante seis meses, jogámos o corpo contra o espaço (o chão) e contra a luz (dos projectores). Verificámos certos instrumentos expressivos. Com  o Carlos Gentil-Homem, os problemas da projecção simultânea. Com o Jorge Peixinho, o concurso de uma música não ilustrativa, jogando com estímulos e estimulando ela própria. Com o espectador, enfim, a sua própria destruição como espectador (‘todo o espectador  é um cobarde e um traidor’). E sobretudo, essa actividade, essa ‘festa’, que até tinha o seu momento culinário, apontava àquilo que considero o lado mais nobre de uma válida actividade crítica: ser obra aberta, transformável com os contactos a que ela dá necessariamente lugar.  Enfim, aberta aos outros.” Desse inovador exercício de comunicação poética ficaram os cartazes serigráficos, impressos na Cooperativa Gravura, Nós não Estamos Algures. 
Exercícios Sobre a Poesia Comunicação (1969), da autoria de Carlos Gentil-Homem, com sua icónica imagem de bomba caindo, bem como os exemplares da autoria do pintor Fernando Calhau, sob proposta do próprio Ernesto, a vermelho, carmim e azul, com os aforismos de Almada “Quando nasci’as frases que hão-de salvar a humanidade já estavam todas escritas / só faltava uma coisa, salvar a humanidade” e ”Há sistemas para todas as coisas que nos ajudam  a saber amar / só não há sistemas para saber amar”, alinhados em coluna contínua de caracteres tipográficos. Estes foram distribuídos pelo público, na ocasião. No âmbito do projecto Almada, um Nome de Guerra — recorde-se que o pioneiro do modernismo português faleceu em 1970 — ficou outro núcleo notável de cartazes, datados de 1971, da autoria de Carlos Gentil-Homem e referente serigráfico, que se destinavam a publicitar  o evento, no qual foram distribuídos. Num deles, com versões impressas a azul, vermelho, negro e sépia sobre fundo neutro, figura a fotografia do rosto envelhecido do artista com o seu poema “futurista”: “Vós ó portugueses da minha geração que, como eu, não tendes culpa nenhuma de serdes portugueses / Insultai o perigo”. Igualmente de Carlos Gentil-Homem, e do mesmo ano, é  o cartaz com o novo aforismo almadiano “Estamos no século XX, na época que não morre”, quase monocromático, com grande plano rectangular liso, em duas tonalidades de amarelo, bem como os exemplares relacionados com a sigla “K4”, em grande destaque, a vermelho  e azul, alusivos ao folheto satírico de  Almada K4 — O Quadrado Azul, editado em 1917. Do mesmo designer, ficaram ainda cartazes de impactante e actualizado grafismo, figurando tipograficamente a letra “A”, de Almada, em grande destaque vermelho sobre fundo branco ou sépia, tendo na parte inferior a frase  “A alegria é a coisa mais séria da vida”, bem como outro exemplar, também de 1971, figurando a vermelho, como numa banda desenhada, a figura do poeta Fernando Pessoa, inspirada no célebre retrato póstumo de Almada e em Corto Maltese, progressivamente rodeada de silhuetas de gente, o qual se destinava a ser oferecido aos artistas que tinham fornecido obras para o financiamento do filme. Recolhido em data incerta, ficou  o icónico cartaz do próprio Almada Negreiros, A Canção de Lisboa (1933), alusivo ao notável filme homónimo do arquitecto Cottinelli Telmo, com seu grafismo de desenho picassiano, classicizante, figurando a actriz Beatriz Costa coroada como “rainha das costureiras”.

Também em 1971, Ernesto de Sousa interessou-se pela luta dos movimentos libertários e pelos direitos civis. Neste âmbito, desde logo se destaca o cartaz Free Angela Free Our Sisters Free Ourselves (1971), da autoria de Marilyn Reynolds, com a efígie simplificadamente desenhada de Angela Davies, além de outros alusivos aos Black Panthers, como 21 Black Panthers (1971), inteiramente preenchido por número e letras, ou Free the Panthers (do mesmo ano), fotomontagem de imagem de negros enclausurados, sobre frente de polícias armados. Também de referente fotográfico é o cartaz com o retrato de Martin Luther King, ou Eldrige Cleaver.  Black Panther (1971), alusivo ao filme de William Klein, então exibido no Studio Parnasse. Já mais artesanal, com recurso ao stencil, é o exemplar Stop the Terror at Pine Ridge. Support the Indian Resistance (1975).

Num ano marcado por novas possibilidades, Ernesto de Sousa apresentou, na SNBA, em Julho e agosto de 1972, a exposição Do Vazio à Pró-Vocação, no âmbito da Expo AICA 72 (de cuja associação era membro desde 1970), na qual incluiu os artistas com os quais mais se identificava: Alberto Carneiro, Ana Vieira, António Sena, Carlos Gentil-Homem, Eduardo Nery, Fernando Calhau, Helena Almeida, João Vieira, Lourdes Castro e Nuno de Siqueira.

Mais relevante ainda foi a sua visita à celebrada Documenta 5, realizada em Kassel, na Alemanha, e comissariada por Harald Szeemann — naquele que é considerado, até hoje, o mais importante evento da série. (...) Destaca-se ainda, de um conjunto de exemplares belgas e holandeses, de intenção política, alusivos à situação colonial portuguesa e ao contexto de guerra que então grassava nos territórios ultramarinos, como Portugal Moordt Met Nato-Wapens in Afrika (1970),  da autoria de Jan Wolkers.

A produção gráfica portuguesa contou, então, com importantes exemplares. Desde logo o cartaz Orfotonias (1965), inteiramente preenchido com lettering, alusivo à exposição de poesia visual de António Aragão e E. M. de Melo e Castro, bem como os cartazes alusivos à produção do pintor António Areal no SNI (1966) e, do mesmo autor, e de cariz pop, o exemplar A História Dramática de Um Ovo (1967), alusivo à mostra que teve lugar no mesmo espaço. Acrescem também os cartazes de exposições d’Os Quatro Vintes na Cooperativa Árvore e na Galeria Alvarez, no Porto, como o exemplar Não tenha medo! Apareça (1968) e outro, alusivo à mesma exposição, com fotografias médicas oitocentistas de rostos de loucos, organizadas em sequência vertical. Diverso, e de cariz mais pictórico, é o cartaz de José Rodrigues, publicitando a sua exposição na Galeria Alvarez (1970). Este núcleo de cartazes relacionados com as artes plásticas contou ainda com o cartaz a preto e branco Vítor Palla, Pinturas de 1967 (1968), alusivo à exposição promovida na SNBA, e ainda com um par de cartazes de Victor Pomar (1969), um dos quais exibindo a inscrição “Pour vous brûler la cervelle”, alusivos à exposição na Galeria Quadrante, em Lisboa, e na Cooperativa Árvore, no Porto, figurando fósforos impressos, com amarelo e vermelho vibrantes. Também de 1969 é o cartaz de António Sena referente à exposição Desenhos e Colagens, pequena reprodução de uma das suas pinturas “caligráficas” deslocada para o canto inferior direito, o restante plano inteiramente negro. De 1970, o exemplar de Sena da Silva realizado no âmbito do CFA, e que divulga a exposição dos alunos do curso, é representativo do rigor geométrico associado ao arquitecto e designer. Raros são também os cartazes de Ângelo de Sousa, nomeadamente aqueles que divulgam as exposições Ângelo. Escultura, Desenho (1970), na Galeria Alvarez, e Ângelo (1972), na SNBA, impressos a verde e vermelho, respectivamente, com eficaz grafismo colorido de linhas ondulantes ou com sequência evolutiva ascendente, da linha ao octógono. De Alberto Carneiro, e da sua proposta de arte ecológica e Land Art, a colecção possui o cartaz Natureza Envolvente — 1969 (1971), instalação-acção apresentada na galeria Ogiva, em Óbidos, na qual foram distribuídas laranjas que os espectadores podiam comer, devendo em seguida guardar as cascas no próprio cartaz. Contemporâneo deste é o belo exemplar da exposição de Ana Vieira, na Galeria Quadrante, reprodução fotográfica a preto e branco dos seus ambientes-instalação, tridimensionalmente realizados com telas translúcidas e transparentes. Igualmente de 1971, e da autoria de Sebastião Rodrigues,  é o cartaz O Museu Nacional de Arte Antiga no V Centenário do Nascimento de Albrecht Dürer, com límpido e qualificado design onde surge, destacada, a célebre gravura do “rinoceronte” do Velho Mestre alemão.

Ainda de 1971, é o exemplar Helena Almeida. Primavera (1971), realizado por ocasião da exposição individual da artista na Galeria Judite Dacruz, fotografia de uma das suas pinturas-instalação, na qual a tela se prolonga tridimensionalmente, em vinil, para fora da própria moldura, espalhando-se pelo chão. Do ano seguinte, Mur de René Bertholo apresenta a fotografia a cores de um mural em Paris — pintura de sabor pop do artista português, que encontrava correspondente nas suas esculturas cinéticas executadas com materiais menos ortodoxos, como o metal pintado ou o plástico. A prática iconoclasta de Sam manifestou-se no cartaz homónimo de 1972, imagem metafórica da vermelha “cadeira do poder” com indiscreto dedo estendido no assento, sobre fundo azul uniforme, e também no exemplar Sam Expõe os seus Funis, da SNBA, desenho linear de funis sobrepostos, sobre fundo branco, que o autor materializou tridimensionalmente nos seus disfuncionais funis-escultura “impossíveis”.

Outros cartazes portugueses alusivos a exposições enriquecem o conjunto, como o exemplar de grafismo desenhado Varela, Pires Vieira, da Galeria Quadrante (1971). Há ainda um núcleo, de grande qualidade gráfica, com cartazes de Carlos Gentil-Homem, editados em 1972 pelo Estúdio Quid, de Vigo, de para fora da própria moldura, espalhando-se pelo chão. Do ano seguinte, Mur de René Bertholo apresenta a fotografia a cores de um mural em Paris — pintura de sabor pop do artista português, que encontrava correspondente nas suas esculturas cinéticas executadas com materiais menos ortodoxos, como o metal pintado ou o plástico. A prática iconoclasta de Sam manifestou-se no cartaz homónimo de 1972, imagem metafórica da vermelha “cadeira do poder” com indiscreto dedo estendido no assento, sobre fundo azul uniforme, e também no exemplar Sam Expõe os seus Funis, da SNBA, desenho linear de funis sobrepostos, sobre fundo branco, que o autor materializou tridimensionalmente nos seus disfuncionais funis-escultura “impossíveis”. Outros cartazes portugueses alusivos a exposições enriquecem o conjunto, como o exemplar de grafismo desenhado Varela, Pires Vieira, da Galeria Quadrante (1971). Há ainda um núcleo, de grande qualidade gráfica, com cartazes de Carlos Gentil-Homem, editados em 1972 pelo Estúdio Quid, de Vigo, de referente fotográfico e serigráfico em forte contraste, aos quais acresce um exemplar com reprodução a preto e branco de uma fotografia do rosto de Picasso, ou ainda outros de cariz mais pictórico. Outros cartazes testemunham a qualidade do design gráfico português nesses anos: desde logo, o exemplar alusivo ao 1.º Festival Internacional de Jazz (1967), da autoria de Mário Silva, com lettering de inspiração neodadaísta; Cine-Clube Universitário de Lisboa (1968), vincadamente plástico, com sua imagem a preto e brando de pin up seminua sobre fundo desenhado e cromaticamente intenso; Melim — 4 do Grupo Cénico da Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa (1970); aquele alusivo ao Encontro de Técnicos Realizadores Críticos (1970), concebido por Luís Geraldes, com seu grafismo negro e ondulante, orgânico, de estilo pop, também formalmente anunciado no exemplar referente à Semana do Novo Cinema Português (1967), com lettering organicista incluído em reservas circulares; ou, ainda, o cartaz de José Rodrigues referente à peça Azulnegro (1971), do TUP — Teatro Universitário do Porto, entre outros.

Ainda em 1972, Ernesto de Sousa assistiu à primeira edição do Festival d’Automne em Paris, importante evento criado por Michel Guy, sendo inteiramente dedicado à arte contemporânea, Alberto Carneiro, Ângelo de Sousa, Fernando Calhau, Helena Almeida, Ana Hatherly e João Vieira. A caminho da Jugoslávia, Ernesto de Sousa encontrou-se, em Nice, com os artistas Robert Filliou, Ben Vautier e George Brecht, todos eles ligados ao movimento Fluxus. Foi particularmente intensa a amizade que manteve com Filliou, autor da proposta conceptual do “Aniversário da Arte”, que contaria, segundo o próprio, com 1 000 000 de anos. Desse encontro ficou o cartaz alusivo à exposição colectiva Biga, Filliou, Oldenburg (1973), no Studio Ferrero de Nice, simples exemplar preenchido com lettering a negro e vermelho, e, mais relevante, o exemplar Anniversary of Art 1.000.010, alusivo à exposição / evento / manifesto individual realizada na Neue Galerie der Stadt, em Aachen, com lettering e desenho linear branco sobre vibrante fundo azul. A 17 de Janeiro de 1974, sob proposta de Ernesto de Sousa, que colaborou activamente na sua concepção e organização, o evento seria realizado em Coimbra, no CAPC, intitulando-se 1.000.011º Aniversário da Arte contemporânea, embora também se alargando à música experimental e à dança. Desta experiência existe o cartaz da exposição de Takis, com imagem fotográfica de modelo masculino a preto e branco, e outros exemplares relativos ao evento, como  o alusivo à exposição de Barnett Newman, promovida no Grand Palais, com design de Roman Cieslewicz sobre fotografias seriadas de Ugo Mulas.

Em 1973, Ernesto de Sousa prosseguiu a sua actividade de crítico e ensaísta, iniciando uma série de importantes artigos que se prolongaria até 1979, na revista Colóquio — Artes, editada pela Fundação Calouste Gulbenkian. Para além de artigos temáticos publicou, então, reflexões sobre o trabalho dos artistas portugueses com os quais mais se identificava: Melo e Castro, José Rodrigues, Alberto Carneiro, Ângelo de Sousa, Fernando Calhau, Helena Almeida, Ana Hatherly e João Vieira. A caminho da Jugoslávia, Ernesto de Sousa encontrou-se, em Nice, com os artistas Robert Filliou, Ben Vautier e George Brecht, todos eles ligados ao movimento Fluxus. Foi particularmente intensa a amizade que manteve com Filliou, autor da proposta conceptual do “Aniversário da Arte”, que contaria, segundo o próprio, com 1 000 000 de anos.

Desse encontro ficou o cartaz alusivo à exposição colectiva Biga, Filliou, Oldenburg (1973), no Studio Ferrero de Nice, simples exemplar preenchido com lettering a negro e vermelho, e, mais relevante, o exemplar Anniversary of Art 1.000.010, alusivo à exposição / evento / manifesto individual realizada na Neue Galerie der Stadt, em Aachen, com lettering e desenho linear branco sobre vibrante fundo azul. A 17 de Janeiro de 1974, sob proposta de Ernesto de Sousa, que colaborou activamente na sua concepção e organização, o evento seria realizado em Coimbra, no CAPC, intitulando-se 1.000.011º Aniversário da Arte. Outros cartazes portugueses, datados de 1973, enriqueceram a colecção, como o do filme Perdido por Cem, realizado por António Pedro Vasconcelos, da autoria de Guilherme Lopes Alves, no qual figura, em desenho linear negro, o retrato do protagonista (...).,

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Ernesto de Sousa reuniu, na ocasião [1974], exemplares da mais diversa índole, do cartaz graficamente mais apurado à mera circular, da propaganda estrangeira ao mero folheto. Absolutamente icónicos são os cartazes de João Abel Manta MFA, Povo. Povo, MFA (1975) e MFA, Sentinela do Povo (1975), com seu traço autoral marcante de figuras estilizadas contornadas a negro. Trata-se de peças produzidas no âmbito da quinta divisão do MFA, que reunia intelectuais e orientava a política cultural, como novamente sucedeu com os igualmente marcantes cartazes de Marcelino Vespeira MFA. Forças Armadas, Raízes duma Revolução (1974) e Não Faças o Jogo da Reacção. Vota pela Revolução (1975), o primeiro com a imagem estilizada do cravo, símbolo da Revolução, e o segundo, conceptualmente mais elaborado, e acrescido de slogans do próprio artista, com eficaz jogo visual entre as palavras “Povo” e “Voto”, imbricadas e dispostas como num tabuleiro de damas a verde  e vermelho, cores da bandeira nacional. Dinâmico é o cartaz Povo, MFA.  A Revolução em Marcha (1975), desenhado por Artur Rosa, com sua sigla embandeirada semelhante a um veículo. Mais ilustrativo e de teor pictórico mostra-se o exemplar Com a Revolução Pela Cultura (1975), da autoria da dupla Justino Alves e Moura-George. Maria Velez, por seu turno, concebeu o cartaz A Cultura É a Liberdade do Povo (1975), plástica composição linear de sólidos geométricos, em fundo branco, acrescida de expressivas pinceladas de verde  e vermelho. De raríssimo design radical, directamente inspirado nas propostas plásticas e gráficas advindas do Maio de 68, temos o icónico exemplar Morte ao Fascismo, de Carlos Gentil-Homem, cartaz de propaganda do Partido Revolucionário do Proletariado — Brigadas Revolucionárias (PRP-BR), da extrema-esquerda.  Revolução Socialista (1975) exibe lettering vermelho disposto em bandas diagonais sobre a silhueta negra de uma ratazana (uma citação de um cartaz do Atelier Populaire) sobre fundo branco,  de cariz serigráfico. Carlos Gentil-Homem e João Firmino desenharam, ainda, outros cartazes para o PRP-BR, como aquele com a frase Uma Só Solução, Revolução Socialista (1974), mais elaborado, com lettering regular sobre fundo negro. Icónico é o exemplar PRP — Partido Revolucionário do Proletariado. Brigadas Revolucionárias (1976), com sua imagem fotográfica de rua quadripartida, a preto e branco, de manifestação de militares e marinheiros, pontuado por uma simples bandeira pendente, preenchida como campo de cor vermelha, lisa e discretamente destacada. A mesma dupla autoral concebeu ainda o cartaz FUR. Por uma Frente de Unidade Revolucionária (1975), de lettering denso, bem como o exemplar com a sigla FUR ondulante, a vermelho, com bandas de letras diagonais sobrepostas, a vermelho e amarelo sobre fundo negro.
Manuel Paula foi igualmente  o designer de importantes cartazes do PRP-BR, como Unir, Organizar, Armar. A Revolução Triunfará, o exemplar Revolução Socialista. Armar e Revolução Socialista. Organizar, todos de 1975, de lettering regular e de grande impacto, destacado sobre fundo negro. Igualmente notável é a produção  do designer inglês Robin Fior, definitivamente radicado em Portugal em 1974, e com importante trabalho gráfico de índole pop na Grã-Bretanha. É de sua autoria o icónico cartaz Jornada Internacional de Apoio à Resistência do Povo Chileno (1974), editado pelo MES  — Movimento de Esquerda Socialista, stencil de desolada escarpa vermelha sobre fundo negro, com lettering regular contrastado em ambas as cores, bem como os exemplares produzidos e editados no âmbito da Cooperativa Práxis, em 1974, de grafismo linear e reservas regulares de intenso cromatismo, semelhantes a bandeiras: Solidariedade Guiné-Bissau, de reservas curvas verde, amarela e vermelha sobre fundo negro  e grafismo multicolorido de sabor pop,  e MLSTP. Legítimo Representante do Povo de S. Tomé e Príncipe e PAIGC. Unidade Guiné — Cabo Verde, em bandas diagonais ou reservas poliédricas, nas mesmas cores. O MRPP, partido de inspiração maoísta, prosseguia nas sendas do realismo oficializado nos regimes soviético e chinês, como sucede na histórica (e retocada) fotografia de Lenine perante as massas, ladeado de Estaline, a stencil negro, amarelo e vermelho, anunciando um comício em Moscavide (1975). Os movimentos de libertação das antigas colónias africanas recorreram, geralmente, à fotografia, como sucede no cartaz MPLA — Pioneiros (1975), imagem de crianças desvalidas, edição da Casa de Angola, ou FRELIMO 1964-1974 — 10 Anos de Guerra Popular (1974) e Angola — MPLA. Independência Total, de carácter mais artesanal. Noutros casos, os mesmos movimentos optaram pelo grafismo simplificado e internacionalizado da estrela sobre campos de cor horizontais a negro e vermelho, como em Com o MPLA, um só Povo, uma só Nação, da autoria de José Rodrigues, tal como os exemplares anteriores. Mais tardio, de design límpido e sereno, é o cartaz Exposição de Solidariedade com os Presos Políticos Anti-Fascistas (1980), com arranjo gráfico de Adriano Rangel, serigrafado por José Carlos Paiva e editado pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto (FBAUP), sendo constituído por fotografia de prisioneiros enclausurados por arame farpado desenhado, com coluna diagonal exibindo nomes de artistas apoiantes. De Outubro de 1974 a Outubro do ano seguinte, Ernesto de Sousa escreveu para a revista Vida Mundial, onde defendeu a necessidade da vanguarda, divulgou alguns dos artistas de vanguarda (Filliou, Ben, Sarenco, Buren e Beuys) e reflectiu sobre o papel da arte e do artista numa sociedade portuguesa em transformação revolucionária, com particular incidência nas questões do mercado  e da relação entre o poder político e os produtores culturais, defendendo sempre a autonomia dos factores cultural e artístico relativamente ao factor político. Em 1975, a obra mixed-media Luíz Vaz 73, com música de Jorge Peixinho e envolvimento visual do próprio Ernesto, foi apresentada no festival internacional de mixed-media de Gent, do qual subsiste um cartaz minimal, negro, editado pela Logos Foundation. Em Fevereiro de 1976, contando com a espacialidade minimal de Fernando Calhau e actuação do Grupo de Música Contemporânea, Luíz Vaz 73 foi apresentado na Galeria Nacional de Arte Moderna, em Belém, ficando do evento um cartaz / diagrama do próprio Fernando Calhau, objecto artístico editado pela Secretaria de Estado da Cultura — Direcção Geral da Acção Cultural (SEC-DGAC). Também em 1975, Ernesto dirigiu o Clube-Encontro Opinião, no qual acolheu a distribuição, pelo grupo Acre, do Diploma de Artista, que conservou, tal como  o folheto publicado por ocasião da exposição Os Pós-Objectuais Jugoslavos. A 13 de Abril, a conferência-performance Jeronimus Bosch — um Mistério que Deixou de Ser, com encenação de Ernesto de Sousa, texto de J. B. Vicente e interpretação de André Gomes, foi apresentada no Museu Nacional de Arte Antiga — que possui o célebre tríptico As Tentações de Santo Antão do artista holandês —, com um cartaz exibindo uma das figuras pictóricas fantásticas  do pintor.

(...) A 30 de Outubro de 1976, Ernesto  de Sousa assistiu à inauguração do  Museu Vostell, em Malpartida de Cáceres, Espanha, onde conheceu Wolf Vostell, artista do movimento Fluxus, pioneiro da video art, da instalação e do happening, além de pintor e escultor.  Ao longo da sólida amizade que com ele estabeleceu, Ernesto de Sousa reuniu um valioso núcleo de cartazes do artista, entre os quais: Wolf Vostell. Desastres  (a film by Helmut Wietz) (1972), Wolf Vostell. Energia (1974), Wolf Vostell. décoll/age, Filme 1963-1971 (1974) e Wolf Vostell. Fluxus Zug (1981). Também em 1976, expôs na Galeria Sztuki LDK Labirynt, em Lublin, Polónia, com Fernando Calhau e Julião Sarmento, a convite dos próprios. Apresentou, então, serigrafias que eram folhas inteiramente brancas, com uma pequena impressão da frase “o teu corpo é o meu corpo / o meu corpo é o teu corpo”, em leitura circular simétrica, sobre as quais é projectado o filme Super 8 Revolution My Body nr. 2.

Durante esta década, juntaram-se  à colecção vários cartazes vindos do estrangeiro e relacionados com as artes plásticas: o exemplar alusivo à exposição John Goode + Kenneth Price (1972), editado pela londrina DM Gallery, de límpido lettering azul sobre fundo branco,  e o exemplar de Boris Bucan (1973), onde a palavra-conceito “art” é transferida pela memória para o conhecido logótipo da companhia aérea KLM, a preto e branco, sobre fundo listrado de bandeira, graficamente irrepreensível. Referencial é, igualmente, um cartaz de 1973 de uma exposição de José Barrias na Galleria d’Arte San Michele, com design de Angelo Sganzerla e fotografia de Mario Recrosio. Pelo seu carácter raro destaca-se, também, o exemplar Man Ray (1974), fotografia desdobrável a partir de um auto-retrato fotográfico de 1943, editado pelo Studio Marconi, de Milão, em tiragem limitada de cem exemplares numerados e assinados. A variedade e qualidade do design gráfico polaco foram demostradas pelos exemplares Nurt Metaforyczno-Ekspresyjny w Sztuce Polskiej (1975), com fotomontagem, ou Terra—1, International Exposition of Intentional Architecture (1975), ambos editados pela secção polaca da AICA. Porventura mais significativo é o núcleo artístico de cartazes da autoria do italiano Fernando De Filippi, autor do evento experimental Sostituzione (1974), um filme-registo de uma performance em que o artista aparecia sentado, de tronco seminu, como Lenine, que também incluiu o cartaz respectivo, editado por Giancarlo Politi. Foi igualmente editado, em 1975, outro cartaz de uma performance — desta feita, a cores — pela Galleria “Il Punto”. Noutro cartaz, da Galerie Lara Vincy, Fernando De Filippi surge fotografado deitado a terminar uma inscrição numa parede. Fernando De Filippi compôs igualmente cartazes-manifesto de fotografia manuscrita — destacam-se Trascrizione (1974), de formato rectangular, e La Mano non È Soltanto l´Organo del Lavoro, È Anche Il Suo Prodotto (1977), ambos de sentido conceptual — que, por intermédio de Ernesto, se concretizou em Portugal com a polémica frase-manifesto Arte como Crítica de Arte, em cujo cartaz o próprio Ernesto interveio. Referencial é também o cartaz de Ben Vautier L’Art c’est de faire le pitre (1975), com sua caligrafia sobre fundo negro, assim como o minimal Alan Charlton, cartaz de 1976 editado por Leo Castelli, de Nova Iorque. A colecção foi enriquecida com o cartaz Venezia 1976: Inutilitá dello Spreco (1976), que Ernesto também conservou.

Para além dos cartazes de Antonio Ferró — um deles com a inscrição “With Love, Superman” (1977) — no âmbito do evento La Post/Avanguardia, é de referir ainda o cartaz Naturalisations, de Silvie Defraoui (1977), que expôs na Quadrum com o marido Chérif, a convite de Ernesto de Sousa, ou o exemplar Art Vital (1977), de Marina Abramović e Ulay, fotografia da performance da furgoneta, em voltas rituais, que os autores apresentaram na Bienal de Paris (e que Ernesto de Sousa documentou em registo fotográfico).

No âmbito português, deve destacar-se um núcleo de cartazes artísticos referentes a exposições e artistas que Ernesto de Sousa particularmente apreciava: é o caso de Julião Sarmento, como testemunha o conjunto de cartazes das suas exposições entre 1975 e 1980, incluindo Gnait e Rosebud, Dom Juan, ou ainda Shelter / Abrigo, esta com Patrick Mohr; Álvaro Lapa, de quem se destaca um cartaz de 1973, alusivo à exposição Modelos Narrativos, na Galeria Quadrante, em Lisboa; Helena Almeida, num significativo lote de cartazes de exposições entre 1971 e 1983, destacando-se Primavera, na Galeria Judite Dacruz, em Lisboa, e Ouve-me, Hear-me,  Écoute-moi (1979), na Cooperativa Diferença, à qual se seguiu a impressionante Entrada Negra. Entrée Noire (1980), no estrangeiro, cujo cartaz ostenta poemas de Helena e Ernesto no verso, e culminando, em 1983, na exposição Helena Almeida, promovida pela Fundação Calouste Gulbenkian, com o seu cartaz / imagem fotográfica do corpo da artista, em metáfora pictórica, derramando-se em tinta negra no espaço do atelier. Devem, ainda, mencionar-se outros artistas, dos quais Ernesto de Sousa possui vários itens significativos: Ângelo de Sousa, Pires Vieira (por exemplo, “Des” Construções, Galeria Quadrante, 1974), Eduardo Nery (Fotografias 1976/79. Estruturas, 1979), E. M. de Melo e Castro (Sínteses, Galeria Quadrum, 1978), António Sena (Desenhos e Colagens, Galeria Interior, Lisboa), ou Alberto Carneiro (21 Janelas sobre a Paisagem — 73 e 7 Esculturas Naturais — 72/73, CAPC, 1975), entre outros nomes, como Costa Pinheiro, Zulmiro de Carvalho, Albuquerque Mendes ou José Carvalho.

Destacamos, ainda, a exposição de referência Alternativa Zero, que Ernesto organizou na Galeria Nacional de Arte Moderna, em Belém, com o subtítulo “Tendências Polémicas da Arte Portuguesa Contemporânea”, a qual reuniu cerca de cinquenta artistas portugueses, bem como a exposição documental Pioneiros do Modernismo em Portugal, a reposição do envolvimento A Floresta, do CAPC, uma exposição de cartazes subordinada ao tema A Vanguarda e os Meios de Comunicação — muitos desses cartazes são aqui referenciados como instalações, inseridos em sacos de plástico —, e vários acontecimentos paralelos, programados e espontâneos, como filmes, concertos, ou performances, tudo sob o signo do colectivo e do sentido ritual de Festa. Houve também lugar a actuações do Living Theatre no Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa, e no Pátio da Universidade, em Coimbra, além de seminários com o grupo na SNBA e na Galeria Nacional de Arte Moderna. No cartaz do evento, da autoria de Carlos Gentil-Homem, surge a imagem de Mona Lisa, a qual reaparece desenhada no cartaz Uma Alternativa (1977), alusivo a um “colóquio” no CAPC. O Círculo de Artes Plásticas de Coimbra publicou, na mesma altura, um cartaz de desenho mais radical intitulado A Cena Artística Portuguesa na Vanguarda (1978), apenas com lettering serigrafado e uma pequena reserva quadrangular. Em Fevereiro e Julho, Ernesto de Sousa orientou o curso Conhecimento da Arte Actual, na Galeria Quadrum, cujo cartaz ainda se preserva, repetindo a iniciativa entre Novembro  de 1977 e de 1978. Da sua actividade, Ernesto guardou ainda cartazes da Grafil, como o exemplar Nova Fotografia (1978), da Diferença, I occupy only that much place, de Teresa Tyszkiewicz e Zdzislaw Sosnowski (1982), e Na Quadrum: Vídeo-Arte, Performances, Nova-Fotografia (1978), da galeria lisboeta homónima, que anunciava as intervenções de Gina Pane, Ulrike Rosenbach e Dany Bloch, Silvie e Chérif Defraoui. Por esta altura, começou a planear a organização de uma grande exposição retrospectiva de Wolf Vostell em Lisboa, a qual viria a ser realizada em Maio e Junho de 1979 na Fundação Calouste Gulbenkian e na Galeria Nacional de Arte Moderna, em Lisboa, e, depois,  no Centro de Arte Contemporânea,  Museu Soares dos Reis, no Porto. De 7 a 30 de Novembro de 1978, apresentou, na Quadrum, a sua primeira exposição individual em Portugal  — A Tradição como Aventura —, da qual ficou o cartaz, concebido pelo próprio. Um exemplar mais radical, recusado, apresentava a fotografia de um púbis feminino multiplicada em quadrícula, como um still fílmico. Em alternativa,  Ernesto de Sousa realizou um cartaz com a imagem de um rosto de estátua clássica, ainda hoje conservado na colecção. A partir deste ano, Ernesto de Sousa assumiu a direcção artística da Galeria Diferença, institucionalizada em 1979. Até 1987, realizou nesse espaço várias exposições individuais, participando igualmente em numerosas exposições colectivas. Em 1987, a Diferença recebeu a sua retrospectiva Itinerários, incluindo uma exposição de fotografias inéditas dos anos de 1950 e a reposição da instalação Olympia, composta por fotografias a cores e texto, a qual havia sido anteriormente apresentada no CAPC (1979) e na Diferença (1980), ficando o cartaz respectivo, com imagem serigrafada de mulher sobre fundo neutro. Em Junho de 1980, o autor foi comissário da representação portuguesa na Bienal de Veneza, a qual consistiu num pavilhão temático. Ernesto de Sousa escolheu os artistas Ana Hatherly, António Sena, E. M. de Melo e Castro e João Vieira, bem como os músicos Lopes e Silva e Maria João Serrão, agrupados sob o tema A Palavra e a Letra. O próprio Ernesto de Sousa participou com um trabalho em vídeo intitulado The Word and the Letter. Fernando Pessoa e Almada Negreiros foram evocados enquanto figuras tutelares, este último com uma reprodução fotográfica do painel Começar. Dois anos depois, Ernesto de Sousa foi novamente comissário da representação portuguesa no mesmo evento (...). 

(...) Quanto à produção cartazística de âmbito internacional, assinalam-se exemplares de Jörg Immendorff (1978) e dos croatas Nuša Srečo Dragan, o icónico cartaz-manifesto dactilografado de Sarenco com a inscrição “All Italian critics are members of the Mafia above all Achille Bonito Oliva, Renato Barilli, Flavio Caroli, Vittorio Fagone” (1980), mas também os exemplares do colectivo radical Atelier Kramer. Igualmente significativos são os cartazes alusivos a exposições de Ulay e Marina Abramović, Films (1980), na Bienal de Veneza, do colectivo de poesia visual Logomotives 1963-1983 — com uma fotografia de grupo, da autoria de Fred Forest —, na FIAC de Paris (1984), bem como do referencial Plowmans Lunch (1982), de Lawrence Wiener, ou ainda o convite para a exposição Ligne d’Horizon — Théatre d’Ombres (1982), de Lourdes Castro e Manuel Zimbro, no Centre Pompidou, Paris. Em Janeiro de 1983, Ernesto de Sousa participou nos debates integrados na manifestação Depois do Modernismo, ao lado de Eduardo Prado Coelho, Germano Celant, José Barrias e José Luís Porfírio, na Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa. Do evento conservou-se o cartaz da exposição, da autoria de Luís Serpa.

A mudança de paradigma ficou assinalada pela emergência de novos artistas, com cartazes provenientes das respectivas exposições individuais, como aquele referente à mostra de Pedro Calapez, em 1984, bem como Um Labrego em Nova York (1984), de irreverente e autoral grafismo, alusivo à exposição  do provocatório Grupo Homeostético, que integrava Ivo, Manuel João Vieira, Pedro Proença, Pedro Portugal e Xana.

Em Junho de 1984, Ernesto de Sousa foi novamente comissário da representação portuguesa na Bienal de Veneza, tendo a sua escolha recaído sobre José Barrias. O cartaz do evento — Notiário, de José Barrias — apresenta a imagem fotográfica de um olho com desenho sobreposto. Em 1987, foi apresentada a retrospectiva de Ernesto de Sousa Itinerários, comissariada por Fernando Pernes e José Luís Porfírio, na Galeria Diferença, no Museu Nacional de Arte Antiga e na Galeria Almada Negreiros. Em Setembro, a retrospectiva foi apresentada na Casa de Serralves, no Porto. A colecção conserva o cartaz do evento editado pela Galeria Diferença, montagem de retratos do artista. Atingido por doença física debilitante, Ernesto de Sousa ainda elaborou, em 1988, o projecto Aldeia Global, visando a comunicação e a troca de informações através de uma rede de computadores. Viria a falecer no dia 6 de Outubro do mesmo ano.


Bibliografia

Ernesto de Sousa, Re Começar. Almada em Madrid. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1983.
Ernesto de Sousa. Itinerários. Lisboa: Secretaria de Estado da Cultura, 1987.
Ernesto de Sousa, Ser Moderno em Portugal. Lisboa: Assírio & Alvim, 1998.
Ernesto de Sousa. Revolution my Body. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian / Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão, 1998.
Ernesto de Sousa. Oralidade, Futuro da Arte? E outros Textos, 1953-87. São Paulo: Escrituras, 2011.
Ernesto de Sousa. Almada, um Nome de Guerra. 1969-1972/1984. Porto: Museu de Arte Contemporânea de Serralves, 2012.