[brochura], Ernesto de Sousa e Jorge Peixinho, Luiz Vaz 73, Lisboa, Galeria Nacional de Arte Moderna
1976
A estrutura visual desta obra é a) aberta, tendendo a constituir‑se como "envolvimento", ou seja, em arte-do-espaço; b) coincidente, alternativamente com o poema de Camões e a música de Jorge Peixinho; mas c) autónoma, pela formação semanticamente independente das suas próprias famílias de formas e significações.
Trata-se portanto de um trabalho, que para lá de algumas referências-estímulos semânticos, se contrói ou segundo as ambições do simultaneismo; acontecimentos não relacionados, onde só a estrutura é coincidente de um modo geral a estrutura visual parte de oposições bem precisas, tais como dúctil/duro, negro/cor, contraste/contínuo, eros/trabalho (ou heroísmo), etc.
A abertura começa por ser formal (no sentido de estética barroca), ex.: o "duro" (ou o "trabalho") exigido estruturalmente pode ser dado por imagens de uma monstruosidade bem moderna, como "cadáveres" de "automóveis" em certos casos, uma referência semântica ao poema, servirá de pretexto à abertura, ex.: a referência de Camões às bandeiras e sua pintura, "muda poesia", corresponde a imagens da actualidade portuguesa, cartazes políticos lacerados.
A coincidência com a música e o poema é, pois, sobretudo estrutural, recorrendo à técnica dos tempos de rotura, apoios rítmicos e equivalências espaciais. Trata-se de uma coincidência alternativa e aleatória, polisemia das imagens ópticas e sonoras.
A autonomia visual (a "poesia muda" segundo Camões) é motivada por uma certa arbitrariedade abstracta, mas também intimista pela utilização indiferente de série de imagens exteriores, tais como O teu Corpo é o Meu Corpo (fotografias e poster datado de 1971), Os Monstros (filme experimental em preparação), etc., Uma palavra sobre as imagens dos intervalos: trata-se de uma redundância (barroca) sobre o sentido último dialéctico deste trabalho, na sua origem: o poema de Camões, que termina aquela tão heróica narrativa confessando
que a Lira tenho
Destemperada e a voz enrouquecida,
E não do canto, mas de ver que venho
Cantar a gente surda e endurecida.
Esta apagada e vil tristeza, os autores hoje têm algo a opor, dialecticamente. Algo de que o abraço dos soldados portugueses e guerrilheiros guinéus é um símbolo, e talvez a melhor proposta lusíada.