Bibliografia

[Por enquanto Estamos Ainda na Era da Pa-ciência]

[poster], Don Juan, Julião Sarmento, Porto, Galeria Módulo
1977

                                                Rimbaud: Science avec patience
                                                .....................
                                                Elle est retrouvée.
                                                Quoi? – L'éternité.

Por enquanto estamos ainda na era da pa-ciência. Muito foi visto, muito foi descoberto até se chegar à máquina e ao entendimento dos seus factores significantes análogos a certos preconceitos sobre o Homem. Que as maiores violências confessadas, as maiores indignidades vieram destruir irremediavelmente. Os homens e os Outros. Como voltar a confiar na Natureza com a violência obstinada e ingénua de um Sade? Como voltar a confiar a paz interior à especulação de uma paisagem, que se queria conscientemente, poeticamente humana, desde Rousseau aos românticos e neo-românticos? É em nome da razão (obstinada rigorosa) que estas razões (líricas, idealistas, conformistas) se desfazem. O Passado e as bandeiras obscurecem do lado do nada. Por enquanto...

                                                Rimbaud:... L'élégance, la science, la violence!
                                                .......................................
                                                Voici le temps des ASSASSINS.

A morte do Homem consome-se. Viva o homem! Paciência e rigor, é preciso inventar uma nova ciência, uma nova comunicação. Um convívio onde tudo volte a ser virginal e cristalino. Rotura. Sem compromissos, re-inventar a Festa.

                                                Rimbaud: J'ai seul la clef de cette parade sauvage

A chave para cada um. Única e insubstituível. Primeiro a redução a zero (é ainda o tempo dos assassinos), depois a colecção, a inventariação metódica e paciente. Escravizar o passado e futurizá-lo. Por exemplo, em matéria de...

Alguns "artistas" querem ser apenas operários do futuro, agora como escreve Achille Bonito Oliva, num livro recente sobre "as vanguardas", que a arte adquiriu finalmente um sopro humano, não já uma corrida para o novo, mas sim uma possibilidade de reflexão em profundidade sobre investigações específicas.

Em vez de arte de vanguarda poderíamos chamar-lhe arte-de-investigação. Em vez de anti-arte poderíamos chamar-lhe investigação. Etc.... Investigação?

Investigar algo que, sem nenhum corte verbal, não apresente também noutros domínios (no visual por exemplo) nenhuma cunhagem metafórica, no sentido de um Barthes. Neste caso os objectos (p. ex. visuais) constituir-se-iam como ferramentas de total liberdade. Por outras palavras, teriam desaparecido deles todos os factores de alienação, prolongamento do passado, toda a geração de morte que constantemente corrói o tempo, o nosso tempo. (Para melhor entendimento consideremos a liberdade como o contrário de todos os dados. Por exemplo, o contrário daquilo a que chamamos hoje a automação. Digamos também, e ainda como exemplo, que enquanto os objectos que infestam o normal da chamada vida moderna tendem para a automação sem fuga possível, os objectos que acima imaginámos tenderiam para contrariar todos os planos estabelecidos. Uma cadeira é um assento ou uma arma de agressão? Um pássaro existe absolutamente ou só através do código de um conhecimento precário?).

Neste contexto, a pintura, a fotografia, a investigação visual operam com calor apaixonado e friamente na presentificação de tudo: conceptualmente destruído; na reverificação de todos os códigos obsoletos; e com paciência na fabricação de novos – para uma nova articulação das nossas relações, com as coisas, com as nossas coisas (e palavras), connosco.

Trabalhamos para que seja de novo possível a Grande Festa Colectiva.

Julião Sarmento trabalha. E trabalha neste sentido. Com maior ou menor consciência, é um futurista.


Ernesto de Sousa
Dezembro de 1976