Bibliografia

Ernesto de Sousa: O Teu Corpo é o Meu Corpo (1965-1975)

Paula Pinto
2014

A publicação "O Teu Corpo é o Meu Corpo (1965-75)" é um álbum fotográfico e poético editado a partir da obra inédita de Ernesto de Sousa. Este álbum é uma compilação de materiais que, sem nunca terem existido enquanto obra concreta, foram surgindo enquanto espectro em muitos dos seus mixed-media.

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[Excerto da introdução do álbum]


O pensamento em imagens 
Paula Pinto

JE ME POSE MAINTENANT CETTE QUESTION: EST-CE QUE MON CORPS, LA RÉVOLUTION, EST UNE FEMME; UNE FEMME QUI RIT!!?

Ernesto de Sousa, Revolution My Body Nr. 2.


Antes e depois do 25 de Abril, a única coisa que me interessa é a revolução. Uma revolução total, isto é, uma revolução social, política e moral. Uma revolução também, interior, íntima. 
De resto, estou convencido de que não há senão uma revolução total. Não há meias-tintas revolucionárias.

Ernesto de Sousa fala ao Diário Popular dos mixed-media e do Festival de Gand.



O álbum ERNESTO DE SOUSA: O TEU CORPO É O MEU CORPO (1969-1975) inclui material gráfico, fotográfico e um corpo de textos poéticos. É composto por uma carta dirigida a Carlos Gentil-Homem (1972), um livro de poemas inéditos de Ernesto e Sousa (1965-75), uma prova fotográfica o cartaz O TEU CORPO (1972), um desdobrável de um outro cartaz executado para a Galeria Quadrum (1978), dez provas de contacto e uma ampliação fotográfica diferente em cada álbum.

O TEU CORPO É O MEU CORPO, é composto por uma série de documentos que permaneceram inéditos e inacabados produzidos por Ernesto de Sousa com o objectivo de agregar o que chama, na carta a Carlos Gentil-Homem uma “comunidade nominal (...) [de] coisas a pensar e a fazer” sob a designação geral “o teu corpo”. Todos os documentos fac-similados neste álbum existem no arquivo do Centro de Estudos Multidisciplinares Ernesto de Sousa (CEMES). Este projecto não é um livro de artista nem uma obra fechada, é apenas uma chamada de atenção para a riqueza e a complexidade do arquivo deste autor, que desvalorizava as formas em favor dos processos e os bens em favor das acções. Resgatar da invisibilidade estes materiais e temáticas, que acompanharam as revolucionárias reivindicações de Ernesto de Sousa, não os institui como obra de arte acabada.

A publicação do presente material testemunha a pluralidade de funções e meios com que Ernesto de Sousa explorou a fotografia. É esse o objectivo desta edição e de outras que lhe possam suceder.

(…)

Ernesto de Sousa produziu, coleccionou e fotografou cartazes: cartazes de arte, cinema, políticos, de teatro, turismo, entre outros. Estes cartazes cruzam práticas de trabalho experimental e disciplinar; mapeiam a transdisciplinaridade do trabalho intelectual de Ernesto de Sousa, mas são igualmente matéria e objecto da sua prática profissional, de designer publicitário a artista mixed-media. Este cruzamento prático e intelectual funda-se na sua grande determinação acerca do valor e da função social das artes visuais (incluindo a da escrita, falada ou mesmo cantada). Não por acaso, na referida carta, o autor menciona o livro de Pierre Bourdieu, Le Sens Commun – un art moyen, um ensaio sobre os usos sociais da fotografia (1965).

Ainda com algumas excepções “institucionais”, os anos setenta do pós-revolução foram para Portugal o período da democratização das imagens. A par da liberdade de expressão, tanto da forma como do conteúdo gráfico, Ernesto de Sousa estava interessado no múltiplo e nas grandes tiragens das artes gráficas, na disseminação da arte e no seu potencial de comunicação. A mecanização reprodutiva democrática propaga-se, na obra de Ernesto de Sousa, precisamente pela via das publicações, tanto ao nível da crítica, através dos artigos que escreve para diversas revistas e jornais, como ao nível visual, através dos projectos fotográficos, como o do livro Para o Estudo da Escultura Portuguesa (Ecma, 1965/ Livros Horizonte, 1973). Antes mesmo de avançar com o conteúdo do livro O Teu Corpo é o Meu Corpo, Ernesto de Sousa explicitamente refere a Carlos Gentil-Homem, o seu interesse numa edição “vulgata” e com muitos exemplares, de forma a escapar ao mercado da arte e ao coleccionismo especulativo.

Para além da redacção e publicação de artigos e de livros, Ernesto de Sousa trabalhou ainda no teatro e no cinema, mas foi ainda mais longe no seu entendimento sobre os meios de comunicação de massas, ao interessar-se pelo mixed-media, ou seja, pela interacção e transformação contínua entre diferentes suportes visuais e sonoros, estendendo o campo de criação visual para fora do espaço bidimensional da tela, até ao espaço tridimensional do teatro e da galeria de arte. Concretizando o que havia previsto Paul Valéry em 1928 – que as imagens e os sons estariam um dia disponíveis, tal como a água, o gás e a electricidade, através de um simples movimento dos dedos , ou seja, que a arte um dia seria ubíqua e omnipresente, Ernesto de Sousa desfez as fronteiras entre a fotografia, o teatro, o mixed-media, o corpo e a revolução, trabalhando simultaneamente com as circunstâncias históricas contemporâneas e as respectivas formas de percepção humana. A fotografia, o cinema, a televisão e os novos media permitiram-lhe explorar o tempo e o espaço contemporâneos, sem a distância ou o isolamento cultural impostos por qualquer “obra de arte original” e abrindo margem para uma análise temática e materialmente transversal da função da arte.

Ernesto de Sousa evocou a “morte da arte” (Hegel) enquanto ato isolado e anunciou a sua revisitação nos meios de informação massiva, na cidade, no teatro-participação, na investigação científica ou em novas formas de amor e de transformação de tudo. Os eventos que organizou fundamentaram-se n’A revolução como obra de Arte, explorando activamente a prática política enquanto obra da arte e transformando a função social da arte. Ernesto de Sousa foi um activista visual.

 (…)