José Luís Porfírio, Expresso (Actual)
19 de Março de 1983
José Ernesto é um homem que vem, que está, nas artes, no cinema, nos multimedia,na acção, na trans/formação das consciências das artes sim, "não (d)as obras, mas (d)a obra que excede o instante e a oportunidade individual..."
Neste momento mostra uma exposição/instalação de pequenos desenhos/ escritas, a série Mátria e desenhos datados de 1984, e uma mais longa série de escritas (preenchimentos e completamentos de desenhos de outrem) todos com títulos de referência oriental, sobretudo indiana. A reforçar o seu aspeto de escrita está o formato A4 de todos eles; os trabalhos registam pequenos gestos que são depois preenchidos no espaço branco restante, colagens, palimpsestos, etc. O sentido destas escritas é, muito manifestamente, o que não se lê, mas também o fato de sabermos que a palavra está lá.
Há um percurso possível entre os desenhos de 84 e os de hoje, percurso que vai da alusão ao corpo, ao traço curvo, cursivo, que já o não evoca diretamente, traço que passa a escrita manifesta como textura, soma visual de um número indeterminado de mensagens possíveis.
Ao fundo da terceira sala da galeria, invadindo o espaço, fica a última e primeira peça desta exposição. Istrati, grafitti colectivo sobre papel de arroz, é uma banda contínua de escritas e desenhos, feitos por vários amigos cúmplices e artistas com 7 metros de comprido que desce da parede e invade o chão. Não interessa aqui cada desenho ou cada escrita ou cada autor, embora alguns deles possam ser reconhecíveis, interessa a soma e o percurso; essa reunião de todas as escritas vai dar-nos de algum modo o entendimento sensível das páginas escritas também de José Ernesto: — Todos, tudo, tudo em tudo. Essa emigração e revolução de sensibilidade e da comunicação que sempre foi o querer e o sentir, o desejo ou o desenho maior, isto é, a Obra de José Ernesto de Sousa, o mito posto aqui em desenho, ali em livro, ontem e amanhã numa nova outra exposição que a esta se vai seguir.
Atravessar o tempo
Temos assim em Lisboa, simultâneos no tempo, dois contemporâneos nossos:
O mais novo é Pedro Capalez, pintor procurando simultaneamente os fundamentos e as origens da sua disciplina sensível e intelectual, tátil e visual, dando-nos a viver, com alegria, essas contradições fundamentais.
O mais jovem é o José Ernesto de Sousa que, ajudado por um texto magnífico de um velho cúmplice seu (Fernão Lopes), nos começa a desdobrar os "modos das revelações", a alquimia da comunicação, que irá prosseguir durante este mês com uma exposição complementar "Esse Ouro Dantes") a realizar na Quadrum. Contemporâneo é sobretudo isto, estar vivo e inquieto no tempo, em todo o tempo, e dar, o primeiro passo da revelação: mostrar, escrever, ser, estar... mas só o primeiro passo que os outros que faltam têm que ser o nosso olhar, o nosso sentir, o nosso entender, o nosso prazer a dá-los.
Contemporâneo é estar connosco, atravessar o tempo, ver, ver mais...